sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Carta para o meu amigo que virou estrela




Carta para o meu amigo que virou estrela
(para ser lida ao som da música “Sorte”, de Maria Bethânia)

Rio de janeiro, 18 de novembro de 2016.

Meu querido amigo,

Há quanto tempo não nos vemos, desde que você resolveu virar estrela. Gostei tanto do nosso último encontro em que você tocou violão e cantarolamos, foi tão bom, abrimos o tarô mitológico, conversamos, caminhamos e contemplamos árvores e pessoas. Depois disto eu fui para outro lugar, você foi para outro lugar e ainda não temos certeza se teremos um próximo encontro.
Tantas coisas aconteceram depois daquele final de 2012, tantos acontecimentos e tantas transformações, deixei a cidade cinza para procurar as cores em um lugar mais quente, mas não era lá que era para eu ficar, então acabei ancorando na cidade que me disseram que é maravilhosa. Sim, é um lugar bonito, mas nada é plenamente maravilhoso, para cada lugar, sentimento ou possibilidade há pitadas de prazer e dor, alegria e tristeza, abundância ou pobreza, aconchego ou saudade, ao vivenciarmos cada uma das polaridades, avançamos em aprendizado, o entendimento de que ora somos agraciados por Júpiter ou testados por Saturno, faz com que esta movimentação seja consciente, então tudo bem, vamos girando junto com os outros astros.
Você lembra que eu estava praticando yoga? Pois bem, resolvi me aprofundar e estudar com seriedade, então fiz uma imersão este ano e depois de algumas semanas práticas e estudos intensos, me disseram que eu virei “Yoga Siromani”, professora de yoga, a experiência de passar quatro semanas em um ashram foi transformadora, foi o início de uma caminhada em busca da minha espiritualidade, da minha essência, em busca de um sentido para isso que chamamos de vida ou existência. Éramos tão materialistas, rebeldes e anárquicos, lembro que em algumas épocas questionávamos a existência de Deus. Hoje já tenho a certeza de que Deus ou os Deuses e Deusas existem sim e eles moram dentro de mim e dentro de ti. Como descobri isso? Tenho vivido isso. Também tenho vivido um amor pleno e sincero, mas isto é tópico para um outro momento.
Se eu falasse só de mim, certamente você diria que estou sofrendo de “ego-esclerose”, aquela doença relativa ao ego, em que a pessoa só consegue falar sobre ela mesma, pensar nela mesma, com esta história de yoga, tenho evitado a “ego-esclerose”, como um diabético que evita o açúcar. Então te conto como vão as outras coisas.
Você acredita que tivemos um golpe de estado no Brasil? É inacreditável, mas em resumo tivemos o governo PT até 2016, a Dilma Rousseff (lembra dela?), conseguiu a reeleição, em uma disputa muito acirrada com um tal de Aécio Neves do PSDB, o cara é o maior cheirador, já bateu em mulher e estava envolvido em um monte de maracutaias e ainda assim, pousou de bom moço durante a campanha política e quase levou a presidência.
O PT errou muito durante estes mais de dez anos de governo, mas tivemos muitos avanços na área social e fizemos valer vários pontos da nossa Constituição de 1988, sei lá, de certa forma, eu fui beneficiada por esta política, consegui fazer mestrado lá na PUC-SP, em História Social, com uma bolsa que cobriu 100% do meu curso. Fiquei feliz em ver os mais pobres acessando serviços, chegando nas universidades, saindo da linha de miséria, tendo direito reconhecidos. É um sonho nosso, não é? Um país mais justo e igualitário para tod@s, falávamos tanto sobre isso.
Voltando ao Golpe, a Dilma não conseguiu uma boa articulação com deputados, senadores, que queriam privilégios, mensalões e mensalinhos, a situação econômica do Brasil ficou brava, não entendo muito disto, mas além do governo ter gastado mal, teve uma influência da conjuntura internacional. O vice-presidente dela que é uma figura sinistra, começou a articular uma conspiração e em um cenário funesto com apoio da Rede Globo (Rede Golpe), a presidenta foi afastada do poder, em agosto deste ano. Agora estamos em um mato sem cachorro, o presidente Vampirão (o nome dele é Michel Temer), está apoiado por um congresso corrompido e tacanha, tem muitos deputados ligados a igrejas evangélicas, agronegócio e outros interesses escusos, eles estão articulando para tirar nossos direitos básicos, conquistados historicamente e querem se esquivar das obrigações do Estado, mantendo os privilégios de uma pequena minoria. Tem sido muito deprê, por outro lado, parte da população está combativa e ativa na luta por direitos e atenta contra os desmandos desta corja que está no poder, uma das coisas mais legais que aconteceu ultimamente, são alunos de escolas públicas que estão ocupando as escolas em protesto contra as medidas de austeridade propostas por este “novo velho governo”, é uma tal de PEC 55, que pretende cortar despesas sociais para pagar juros da dívida, um desastre. Mas a moçada está fazendo um movimento bonito, em todo o país. Fico imaginando se isto acontecesse no nosso tempo de secundaristas, certamente tentaríamos enfrentar a Dona Lucy e ocupar o Leme do Prado.
Se me permite, apenas uma pitada de “ego-esclerose”, volto a falar um pouco de mim, antes de me despedir. Depois que me tiraram algumas responsabilidades no trabalho, tenho sentido tudo ficando mais leve e sinto crescer em mim uma vontade de viver, não de apenas “sobreviver”, está me dando uma fome de vida, surge a esperança de me reconectar com a minha essência e talentos que ficaram adormecidos durante muito tempo para dar lugar a outras coisas, que na verdade não são coisas tão importantes. Ah, nesse contexto, resolvi tentar voltar a escrever no meu blog, o “Mira Mi”, espero conseguir manter certa frequência nos escritos e que brotem alguns poemas também, como brotava naquele tempo em que andávamos pelas ruas de São Paulo sem grandes preocupações com a vida.

Saudades de você,
Hari om tat sat!
Grande abraço,
Mi






domingo, 5 de janeiro de 2014

Sobre deixar uma vida que você não gosta

Praia do Paraíso (PA) - Foto: Juliana De Luca

Parte I – Partir, deixar, desapegar...

            Há muito tempo não piso nas terras das mirações virtuais, pois estava ocupada com as mirações terrenas, me entreguei para a vida vivida intensamente, para a reflexão sobre os problemas cotidianos e suas possíveis soluções...
            Há exato um ano, larguei minha vida mais ou menos estável na Pauliceia Desvairada, mantida por um trabalho que não me dava tesão e por uma estrutura construída com muito trabalho e carinho por meus pais, mesmo assim, eu sentia sufocar, não sabia de onde partia o sufoco, constatei que o trabalho que eu fazia não contribuía para melhorar este mundão (acho que a gente passa por aqui para “melhorar” alguma coisa), também não estava satisfeita em viver na selva de pedra, fui vivendo, me deixando levar.
Depois de um longo inverno, resolvi que estava desconectada de tudo que estava vivendo. Este sentimento veio de forma gradual com a prática de hatha yoga e as conversas com a mestra Luiza e explodiu com as reflexões após uma viagem com Ana, Júlia e Carol. Estas reflexões foram molas propulsoras para este processo de deixar a vida que eu não gostava.
Embora já tivesse passado por circunstâncias similares muitas vezes, sempre me faltou dois elementos: coragem e $$$$. O maior problema sempre foi $$$$, mas não pagando aluguel na cidade grande durante alguns anos, embolsei uma grana, então finalmente deu pra mandar a vida que eu não gostava para a puta que pariu. Mandei. Para fazer o quê? Subir.
Dentro do meu coração, surgiu um desejo imenso de conhecer a Amazônia, de me aproximar das comunidades tradicionais, de navegar, de me banhar nas águas doces, de encontrar o boto rosa e assim me desconectar daquela vida tão urbana, chegou o tempo de deixar a periferia de onde eu vim.



            

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Carnaval natural

Ilha do Combu, Pará
Carnaval é uma consequência, dos anos mal vividos e bem vividos. É aquele intervalo, depois daquelas festividades enfadonhas e as doces férias de verão (que em São Paulo podem ser frias) e o momento em que o ano começa de verdade para valer valendo. Sejamos  honestos, nada começa antes do carnaval, neste Brasil, sil, sil...
Quando se decide começar o ano mais cedo, antes do carnaval, a punição é severa. Eu decidi não só começar o ano antes, mas começar uma vida mais ou menos nova, dentro das possibilidades cabivéis. Do sudeste para o norte.
Há tempos quero revisar as minhas mirações para tentar dar conta deste movimento todo, coisa dos últimos meses, mas não tive tempo, nem vontade para fazer isto, desde então. Depois de uma visitinha à Cidade do México e seus arredores, cheguei a conclusão que não é possível “mirar” em apenas 10, 20, 25 ou 30 dias e que era necessário “mirar” para além da minha vida periférica-alternativex, burocrática paulistana, é preciso de mais tempo para sonhar com outras perspectivas que não sejam tão formatadas. O formato de viagem “férias”, pode trazer vários elementos como: a possibilidade de largar a vida para viver neste novo lugar, a valorização do seu trabalho pelas oportunidades que este pode te trazer para explorar o mundo ou a a conclusão de que a sua vida não está de acordo com o que você pensa e acredita.
Acabei me deparando com esta última opção e uma das primeiras coisas que se apresentaram como uma barreira quase que instransponível foi deixar meu carnaval do eixo São Paulo-Rio de Janeiro. 
Passei o sábado de carnaval na Ilha do Combu, procurando o boto-rosa, vendo as crianças se banharem na  margem do rio, vendo as roupas coloridas em distantes varais, movimentando-me na água doce e trocando palavras de interesse, interessantes. Quando o sol caiu, voltei para casa para concluir que este carnaval foi o mais natural de todos os tempos. E que existe algo além da margem do rio, que eu preciso transpor, sem fantasia. Talvez para me preparar para isto, foi necessário vestir-me de sobriedade.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

A Ditadura da Pílula


A prática da yoga me deixou mais conectada com os movimentos internos e externos do meu corpo e com as conexões dele com a natureza, passei a observar como meus ciclos estão ligados aos ciclos da lua, por exemplo, também percebi como tudo funciona melhor quando não estou fazendo uso de anticoncepcionais hormonais, que me causam uma alteração de humor tão violenta que eu pessoa apaixonada pela vida, tenho vontade de me atirar embaixo de um ônibus ou incendiar minha própria casa, além de enxaquecas, mal estar, entre outras pendengas. Ler a bula de um anticoncepcional é algo assustador, os efeitos colaterais a curto e longo prazo são muitos, ignorei estes por muitos anos, pois em nome da praticidade, deixamos de lado questões importantes e só quando o bicho pega nos damos conta delas, recentemente fui diagnosticada com um mioma uterino e ao ler com atenção uma bula do anticoncepcional que tomei por muito tempo, vi que este é um dos possíveis efeitos colaterais.
Pois bem, não adianta chorar o leite derramado, parti em busca de alternativas aos métodos anticoncepcionais hormonais, não acho prudente confiar só na “prudence” e comecei a conversar e pesquisar sobre o assunto. Cheguei à conclusão de que o uso do diafragma poderia ser uma boa opção para mim, pois é um método inócuo, simples e barato comparado ao que se tem por aí.
No mês de junho procurei uma ginecologista para me ajudar a executar o plano no Centro de Referência da Mulher do meu convênio “Intermédica” e daí começou uma verdadeira via-crúcis que parece longe de acabar, o Centro de Referência da Mulher não possui equipamentos, nem profissionais que possam prescrever o uso do diafragma, ao insistir na escolha do meu método anticoncepcional, fui convidada para uma segunda consulta com uma outra médica que quis me convencer que o “DIU” seria muito melhor para mim, mas concluí que não quero usar este método, pois é recomendável para mulheres que já tiveram filhos e ouvi alguns relatos que não me agradaram. Enfim depois de mais de dois anos pagando o tal convênio, percebi que seria difícil receber ajuda, o que causou além da perda de tempo, indignação. Nas pesquisas na internet soube que algumas Unidades Básicas de Saúde do SUS, realizam o procedimento, mas o tempo do SUS pode ser literalmente uma vida e a comunicação via telefone ou internet é impossível, então me vi na tal situação “no mato, sem cachorro”. Depois de no mínimo umas trinta  ligações para diversos consultórios médicos de São Paulo, encontrei uma médica que realiza o procedimento, mas como nada é simples teve que acontecer uma conversa contando toda a minha história, espero que a epopeia esteja chegando perto do fim.
O resumo da ópera e o que gostaria de compartilhar com vocês, é que percebi como é complicado fazer valer as nossas escolhas, quando elas fogem um pouco da rotina, do método que é imposto para a maioria, óbvio que os benefícios que as mulheres tem e tiveram com o uso da pílula são indiscutíveis, mas será esta a única opção? Escolher o que você quer ou não quer fazer com o seu corpo, é um papo sério, ultimamente vejo uma militância engajada das mulheres que defendem o parto humanizado, um viva para as mulheres que querem escolher como ter seus filhos e um viva para as mulheres que querem escolher como NÃO ter os seus filhos.
Para quem quiser saber mais:

terça-feira, 19 de junho de 2012

um pedaço de uma leitura que gostei bastante...


"Certa vez, Noci me contou do vazio da sua relação com Aproximado. Como o namoro, com o tempo, se tinha vazado. Distintos que parecessem os nossos trajectos, nós pisávamos as mesmas pegadas. Eu saíra da minha terra para procurar um homem que me traía. Ela traía-se a si mesma com alguém que não amava.
-- Por que aceitamos tanto? – questionou Noci.
-- Quem?
-- Nós, mulheres. Por que aceitamos tanto, tudo?
-- Porque temos medo.
O nosso maior medo é o da solidão. Uma mulher não pode existir sozinha, sob o risco de deixar de ser mulher. Ou se converte, para tranquilidade de todos, numa outra coisa: numa louca, numa velha, numa feiticeira. Ou, como diria Silvestre, numa puta. Tudo menos mulher. Foi isto que eu disse a Noci: neste mundo só somos alguém se formos esposa. É o que agora sou, mesmo sendo viúva. Sou a esposa de um morto."

Mia Couto, Antes de nascer o mundo